Passagens para a morte...
Numa altura em que quando se fala em caminhos de ferro vem-nos à cabeça o projecto do TGV, com a velocidade a encurtar as distâncias entre os grandes centros de Portugal e a sua ligação a Espanha e, consequentemente ao resto da Europa. Poucos dias depois de ficarmos a saber por que margem do Tejo, o dito TGV irá entrar em Lisboa, que uma nova ponte sobre o Tejo será necessária, por que ponte vai atravessar o Douro e qual a sua estação na cidade invicta. Enfim, depois de tanto andarmos a olhar para o futuro e com a cabeça já nesse meio de transporte, que actualmente, para muitos países já é obsoleto, mas para nós é visto como uma "coisa do outro mundo...". Eis, que um acidente e três mortos, nos fazem cair na realidade, é que ainda temos linhas atravessadas por muitas passagens de nível (PN), onde periódicamente se perdem vidas.
No sábado, em Ortigosa, Leiria, um comboio que circulava na Linha do Oeste abalroou uma viatura na passagem de nível em Casal da Boca, provocando a morte de três pessoas da freguesia e deixando outra em estado grave. O acidente ocorreu pouco depois do almoço, quando o condutor da viatura, um agricultor com 55 anos, acompanhado por outro homem da mesma idade e um casal na casa dos 70 anos, se preparavam para atravessar a linha, em direcção aos campos do Lis, para deixar milho numa pecuária. A viatura foi arrastada cerca de 300 metros do local onde ocorreu o acidente.
Recodo que a supressão de passagens de nível é uma obrigação legal determinada pelo Decreto-lei nº. 568/99, segundo o qual devem a REFER, a Estradas de Portugal e as Autarquias que tenham a seu cargo vias rodoviárias que incluam passagens de nível, desenvolver planos de supressão.
O objectivo é a diminuição da sinistralidade nas PN, consideradas, pela própria REFER, "uma das componentes mais perturbadoras do sistema de exploração ferroviária, sendo também pontos de conflito geradores de permanente insegurança".
Segundo a REFER, dando cumprimento à determinação legal, foram suprimidas cerca de 1.200 PN nos últimos seis anos, "tendo em consequência o número de acidentes nestas travessias reduzido em cerca de 50 por cento no mesmo período, apesar do aumento do tráfego rodoviário".
Na Linha do Oeste existem actualmente 63 passagens de nível, sendo duas guardadas, 38 automáticas, 16 sem guarda, duas particulares e cinco pedonais. Refira-se que o distrito de Leiria é atravessado pelas Linhas do Norte, em 30 quilómetros, e do Oeste, em cerca de 110. Na Linha do Norte, na sequência da renovação efectuada, não existem atravessamentos de nível à via-férrea, tendo sido suprimidas, desde 2000, 10 PN guardadas e 7 pedonais.
Voltando ao acidente do passado sábado, a pergunta que fica no ar é... e agora? Independentemente de naquele fatídico início de tarde, o sinal estar vermelho ou não, de ter ocorrido erro do mecanismo ou humano. O que é um facto é que as passagens de nível da linha do Oeste (à semelhança de outras do país...) voltam a ser palco de mortes e pelos vistos ao Governo, não chega legislar sobre esta calamidade, há que agir. Acabem com o slogan "Pare, Escute e Olhe" e de uma vez por todas, parem de olhar para o futuro e coloquem a cabeça no lugar e tomem medidas imediatas para acabar com as passagens de nível. Antes de pensarem em levar os executivos de Lisboa ao Porto, de combóio, em pouco mais de duas horas, parece-me muito mais urgente, permitir que agricultores, operários, reformados, estudantes e demais cidadãos anónimos possam ir de um lado para o outro da linha férrea sem correr o risco de perder a vida de forma tão terceiro mundista.